terça-feira, 24 de agosto de 2010

A adúltera


Esta história é verídica e passou-se no escritório de advocacia de meu pai, no início da sua carreira profissional. Só bem mais tarde, quando meu irmão mais velho se licenciou em Direito, e ele já se tinha reformado, é que dela tomámos conhecimento. O caso passa-se no tempo da vigência da Concordata em que o casamento religioso tinha efeitos civis. E os nomes, claro, são fictícios.
Uma tarde a Lourdes, a eficiente secretária de meu pai avisa-o que o Dr. Francisco Pina - que havia telefonado a pedir uma consulta - estava na sala.
Mandado entrar e depois da conversa social tradicional entre pessoas educadas, meu Pai perguntou-lhe ao que vinha. A resposta foi imediata: "pretendo mover à minha mulher Celeste Pina uma acção de adultério".
Perante esta resposta, a temperança do advogado entrou em açção, explicando que essa era a via normalmente mais complicada, visto que era difícil de provar e que o desejável era, sempre, que o divórcio, a ter de existir, fosse o mais cordato possível.
"Eu tenho provas, senhor doutor. Tenho cartas e tenho fotografias. Estão aqui. Não pretendo ser tolerante, porque isso é o que sou há cerca de três anos. Agora o que quero é um divórcio litigioso. Por isso peço ao senhor doutor que chame aqui ao seu escritório a minha mulher e lhe dê conhecimento do que pretendo fazer. Deixo, assim, o caso nas suas mãos e assino já o que fôr preciso."
Meu Pai, que era um homem ponderado, disse-lhe que antes de tudo, gostaria de falar com a senhora D. Celeste. Depois, então, se estudaria a questão. O cliente concordou.
Convocada a senhora, esta compareceu, embora um pouco surpreendida pelo chamamento. Cheio de cautelas o Dr Sacadura Cabral explicou-lhe a situação e o motivo pelo qual a chamara.
A senhora não pareceu incomodada e, a sorrir, respondeu:" Senhor doutor só há aí um pequeno erro. Se sou, de facto, adúltera, é com o meu actual marido, o Dr. Francisco Pina".
Perante o "Como?" de meu Pai, a senhora explicou-se. Esclareceu, então, que este era o seu segundo matrimónio, apenas pelo civil, uma vez que o primeiro, com o Eng. António Vaz, fôra na Igreja.
" A pessoa em causa, melhor, o meu amante, a quem o senhor doutor se refere é o meu primeiro marido, com quem, de facto, há três anos retomei relações. Sendo católica, como sou, o meu verdadeiro marido é este. Perante Deus que é quem me interessa. Logo, se sou adútera, é com o segudo, do qual, aliás, pretendo divorciar-me para retomar o meu verdadeiro e único casamento...".
Seguiu-se um curto diálogo de cortesia e a promessa de uma nova conversa com o cliente, o que foi rapidamente cumprido. Depois do esclarecimento prestado por meu Pai, o Dr Francico estava estupefacto. É que, embora sabendo da sua existência, nunca havia visto o primeiro contemplado da sua senhora.
Meu Pai voltou a aconselhar-lhe o mútuo acordo e explicou-lhe que, se porventura apanhasse um juiz católico, os argumentos da ainda mulher podiam ter algum peso...
Com efeito a união havia de desfazer-se em termos amistosos e, passados alguns meses, meu Pai recebeu um cartão de agradecimento da senhora. Que, aliás, veio a saber, viveu mais vinte anos com aquele que Deus sancionara!

Helena

2 comentários:

  1. Delicioso...
    (Pena que o nome fictício do "duplamente enganado" me seja tão familiar...;)

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  2. Ó meu querido amigo, só você para me deixar estarrecida! Mas traquilize-se com o sucesso virtual dos seus olhos nunca, jamais, alguém o enganará!
    Vou já mudar o nome. Cruzes!

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