terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Inesperadamente...


A ideia de começar as férias numa quinta maravilhosa, a uns escassos quilómetros da capital, faz com que Marta nem se lembre dos quilómetros que terá de conduzir por uma estrada que é difícil.
Mas o ano foi tão cansativo, as viagens foram tão frequentes, os jantares e almoços de trabalho tão desgastantes, que ela só quer fazer uma paragem total. Serão trinta dias seguidos longe do ruído da cidade, dos telemóveis, dos mails e, sobretudo, das reuniões em série. Mas no preciso momento, em que mal tinha acabado de sorrir a esta perspectiva, a luz e o som do telemóvel deram sinal.
Ainda hesitou em atender. Só podia ser trabalho, pensou. Mas, depois, admitiu que fosse algum dos filhos ou o marido, que ficara de chegar nessa mesma noite.
Com certa relutância acabou por responder. Era a secretária a avisá-la “que tinha havido uma alteração na vida do Senhor Engenheiro, que já não podia chegar nessa noite, e que precisava da presença da Senhora Arquitecta, em Paris, no dia seguinte. Não sei se fiz bem ou não, mas permiti-me marcar já o voo, para o avião que sai mais cedo amanhã”, acrescentou.
De há dois anos para cá, nada havia de rotineiro, na sua vida. Pelo contrário, cada dia era uma completa incerteza, apesar de tudo ter feito para que a serenidade e a pacatez fossem a sua forma de envelhecer.
Tinham comprado aquela pequena quinta, lindíssima, para poderem disfrutar juntos, todo o tempo livre de que dispusessem. E, sempre que era possível, fugiam para lá, onde se escondiam do mundo e viviam um para o outro, raramente saindo do seu canto. Os amigos davam-lhes imensas piadas por este amor tardiamente encontrado, mas eles riam-se e continuavam a viver como gostavam.
É certo que tinham um tipo de trabalho muito intenso, e passavam algum tempo separados. Mas qualquer deles sabia disso quando decidiram partilhar a vida. E, curiosamente, ambos achavam, ideal a sua situação. Não estavam nem demasiado tempo juntos, nem excessivamente afastados.
Era tudo “quanto baste”, e o gosto que cada um tinha nos reencontros compensava, amplamente, a pena das curtas separações.
Só que a ida de Francisco para Paris, embora fosse apenas por dois ou três anos, viera alterar, um pouco, o equilíbrio de que antes usufruíam. Não se consegue ter tudo, pensava Marta na mesa de um café de estrada, antes de retornar a Lisboa.
Pagou, saiu, entrou no carro e a meia voz exclamou “só eu”. Mas depois, a sorrir, acrescentou “só eu e aquele louco”.
Pegou no telefone e falou para o filho mais novo. “Alteração de última hora: sigo directa para Paris”, arriscou.
Do outro lado do fio, uma risada sonora e “vocês são completamente doidos”. Ainda se lembra de, mesmo antes de desligar, Pedro ter acrescentado, com voz sibilina “foste tu que falaste em férias? Julgo que sim mas, claro, isso é para gente normal, esqueci-me que se tu não existisses terias, mesmo, que ser inventada”.
O choque brutal, de frente, quase desfez o carro. O corpo teve que ser desencarcerado. Marta mantinha o telemóvel fechado nas suas mãos…

Helena

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