quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O gerânio

Aqueles montes isolados uns dos outros, que se alinhavam como se fossem as corcovas duma fila de camelos, encantavam o pequeno Jaime. Há vários meses que ele os via cobertos de neve e se sentava num velho cobertor a olhá-los. À sua volta, os bichos de capoeira lutavam por encontrar, debaixo do manto branco, qualquer coisa para comer.
Nem em casa havia restos que lhes matassem a fome, naquela aldeia do fim do mundo onde vivia com os avós já bem velhotes. O nosso herói tinha doze anos e se conseguia juntar as letras, era porque uma prima mais velha, que lá fora passar uns dias, lhe ensinara como elas se misturavam.
Depois, quando a camioneta da carreira passava lá em baixo na estrada, o senhor Joaquim, que tinha pena dele, deixava-lhe numa gruta da estrada, algumas folhas de jornais com que ele se ia treinando. Era o segredo deles.
Mas escrever, ele não tinha conseguido aprender, porque nem sempre havia lápis ou caneta para o fazer. No Verão ainda tentava com um graveto copiar as letras dos jornais. Contudo, nem sempre conseguia soletrar o que pretendia escrever.
O que ele sabia fazer bem era tratar dos animais. Duas galinhas, um galo e dois coelhos iam dando para a reprodução. As batatas e uma urtigas iam fazendo o resto da alimentação familiar. E sabia, também, tratar do gerânio que nascera dumas sementes que a prima lá deixara. Na Primavera falava com ele que, por isso, pensava, crescia a olhos vistos.
Só duas vezes fora à aldeia e apanhara uma sova dos avós por ter gasto num vaso, uma nica do dinheiro que era para a farinha.
Primeiro morreu a avó. Logo a seguir o avô. Foi ele que os enterrou. Jaime ficou só com os bichos e o gerânio grande empinado, agora, numa tigela onde antes se fervia a sopa.
O Inverno passou e numa manhã de Primavera o roncar de um carro parou à porta do casebre. Era um homem franzino que lhe disse ser da Assistência Social e que vinha ali para o levar, porque ele era menor.
Jaime não percebeu bem o que era ser menor. Ele sempre se achara de boa altura. Mas não queria sair dali porque, mentiu, "o avô fora à capital ver a filha e só vinha dali a uma semana".
- Mas o teu avô não morreu?
- Não senhor.
- E a tua avó?
- Foi com o meu avô ver a minha tia.
- Mas nós temos informação que eles morreram.
- Ah! Sim? E então em que cemitério estão? Só se foi em Lisboa.
- E a tua tia tem telemóvel?
- O que é isso?
O homem não continuou a conversa e julgou que o melhor seria lá voltar, mais tarde, com a polícia. Jaime bem percebeu o risco que corria. E, pela noite, atrelou o burrico à carroça, meteu-lhe dentro os animais que bem tentaram fugir e abalou. Tinha andado uns quilómetros quando parou e voltou atrás para pegar no gerânio grande. De seguida fez-se ao caminho.
Diz-se na aldeia, que naquele sitio, os gerânios crescem sempre fortes, lindos, cheios de cor!
Helena

1 comentário:

  1. Um texto muito bonito,eu adoro escrever assim como adoro fotografar sei que dou erros mas isso não me desanima continu-o a escrever e a ler e a fotografar sonho um dia em ser fotografa de viagens e também escrever as minhas aventuras enquanto isso não acontece vou escrevendo no meu blog.

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