terça-feira, 1 de março de 2011

O Casting

O seu sonho era aparecer na televisão. E os pais apoiavam a pretensão da garota, que desde os dez anitos andava em toda a espécie de concursos. Nunca a precaveram, alguma vez, para os riscos que aquele devaneio representava.
Mas uma manhã, quando menos a família e a própria esperavam, a Gilda foi convocada para um ensaio. Tinha quinze anos, era espigada, bonita e airosa. Mas muito pouco instruída, porque entre os “castings”, as aulas e os exames, a prioridade pertencia sempre aos primeiros.
Nesse dia tratava-se de uma série de ensaios fotográficos para saber se a pequena tinha ou não a fotogenia necessária para modelo fotográfico. Pediam-lhe que fosse a uma certa morada, dentro de uma semana. Mas avisavam que fosse sozinha.
Nem Gilda nem D. Adelaide cuidaram de confirmar o que quer que fosse, acreditando piamente nas palavras do senhor Gonzalez, o produtor – dizia-se ele -, que as contactara e tanto parecia saber não só de televisão como dos interesses de Gilda pelo meio artístico.
Chegado o dia, a combinação feita era a de que a jovem falaria à mãe, mal a sessão acabasse, para que esta a fosse buscar e pudesse, até, ter dois dedos de conversa com o fotógrafo.
Gilda lá foi à procura do estúdio que ficava numa pequena ruela de Campo de Ourique, num prédio velho, esconso e com um acentuado cheiro a urina. Tocou à porta, apresentou-se e esperou que o espanhol aparecesse. Julgava-o assim, por causa da salganhada de língua em que se exprimira ao telefone.
Entretanto o ambiente era algo estranho. Havia sofás variados, alguma lingerie, e muitas luzes vermelhas. Gilda começou a ficar inquieta.
Nessa altura, vindo detrás de umas cortinas, apareceu o dito Gonzalez que lhe disse para ela se despir e vestir as peças de roupa interior que ela acabara de ver.
- Despir?!
- Sim menina despir, pois. Como é que queres que eu veja se serves para o papel?
- Qual papel?
- De modelo. Ou tens algum problema em mostrar o corpo? Não vais para a praia de biquíni?
- Mas isso é na praia, senhor Gonzalez.
- E qual é a diferença?!
Vá despacha-te que eu tenho mais que fazer. Vais aos castings para concursos de beleza e agora estás com falsas vergonhas? Era só o que me faltava, que te armasses em virgem…
- Senhor Gonzalez, eu não sou capaz.
- Ai não? Então pira-te daqui imediatamente, desaparece. E aprende uma coisa: quem vai a castings, tem que se despir.
Gilda soluçava quando telefonou à mãe e lhe contou o sucedido. Do outro lado do fio, a D. Adelaide dizia-lhe que se acalmasse, porque também não era preciso fazer tanto alvoroço quando, afinal, o homem nem sequer lhe tinha pedido que ficasse nua.
Que diacho, Gilda, na praia, de facto, tu andas de biquíni. E bem pequeno, por sinal!

Helena

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