quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O Cacilheiro


Não sabe o seu nome sequer. Quando ele tentou dizer-lho já o barco se preparava para partir e era tarde demais. Não sabe o que fazia naquele bote, àquela hora tardia. Possivelmente era embarcadiço.
Parece estranho este começo. Mas foi mesmo assim, de modo bizarro que tudo aconteceu. Vou contar-vos a história que, como podem intuir, é bastante fora do comum.
Deolinda tinha um mau casamento, um emprego sem interesse e poucos amigos. Não era pobre, mas também não era rica. Talvez remediada, como diria a minha avó. Remediada também na beleza. Mas rica na vontade de mudar de vida medíocre que levava.
Uma fim de tarde de primavera, com o sol ainda forte, resolveu sair do emprego mais cedo e atravessar o Tejo. Não que morasse na outra banda. Mas uma irreprimível vontade de olhar o mar, fez com que decidisse embarcar num destes modernos botes que fazem a travessia do rio.
Quando entrou, o homem que a tentou ajudar, também lhe acelerou o ritmo cardíaco. Pela farda deduziu-lhe a ocupação. E, pelo tempo que lhe guardou as mãos entre as suas, adivinhou-lhe o interesse.
Sentou-se em lugar propício ao contacto visual do fogoso tripulante. Mas ao perde-lo de vista ganhou-lhe a proximidade do contacto. Primeiro o corpo, lado a lado. Depois as mãos que discretamente iam lutando contra os abafos protectores. E, ao ouvido, as palavras de quem está mais afeiçoado às agruras do mar, do que às venturas e pruridos dum leito burguês.
A noite caía, as defesas de Deolinda também e as mãos do marujo continuavam a sua rota. Um prazer indizível e um mau caminho prometido. Ambos já debaixo de uma manta oportunamente posta à disposição de quem se quisesse proteger do bater do mar encrespado.
Foi no crucial momento que tudo prometia, que uma voz alterada rompeu o silêncio com um "homem ao mar", que pôs todos em alvoroço e obrigou o protagonista desta história a atirar-se à agua gelada, para salvar uma criatura, que afinal era mulher.
Depois, Deolinda não viu mais o salvador que, encharcado, se deve ter recolhido e abrigado do frio do cair da noite. Até que, já atracados no cais, lobrigou, numa pequena vigia, os seus gestos e lábios a tentarem dizer-lhe algo. Talvez o nome. Era o mais certo.
Mas o ruído dos motores do retorno não a deixaram perceber a sua voz...

Helena

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